Ex.mo Senhor Ministro do Ambiente e Transição Energética
Eng.º João Pedro Matos Fernandes
O Movimento proTEJO teve conhecimento da autorização e construção recente do açude de terra construído no rio Sorraia, em Benavente.
As informações tornadas públicas e que acompanhámos indicavam que o promotor, a Associação de Beneficiários da Lezíria Grande de Vila Franca de Xira (ABLGVFX), havia obtido autorização da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) para edificar uma barreira a cerca de 1 Km do Porto Alto, onde a água doce vinda de montante ficaria agora retida para utilização para a rega de mais de 10 mil hectares de culturas. Os esclarecimentos prestados pela agência clarificaram que a estrutura seria provisória e que visava reduzir a salinidade da água para rega, e assim, travar o avanço da cunha salina (água salgada) do Tejo até zonas situadas mais a norte do que seria habitual.
Não obstante as razões apresentadas pelas a ABLGVFX poderem ser legítimas, consideramos estar perante um ato que coloca o interesse público em segundo lugar, que é de duvidosa legalidade e cuja licitude carece de fundamento técnico comprovável.
Tratando-se antes demais de domínio público hídrico, é relevante notar que os usos atribuídos devem ser geridos tendo em conta os múltiplos usos, e que neste caso não se cinjam à massa de água que está a ser captada. Tratando-se da zona a jusante da sub-bacia do rio Sorraia, a maior no Tejo nacional, sabemos ter implicações diretas e indiretas com áreas com estatuto de proteção, como os Sítios de Importância Comunitária do Estuário do Tejo (Zona de Proteção Especial), e do Cabeção.
Paralelamente, são múltiplos os atores locais a montante que podem sofrer com decisões a jusante, e vice-versa. É por isso imperativo que os instrumentos de gestão que permitem a sua auscultação possam ser considerados nas decisões que a eles implicam também. Neste âmbito, destacam-se outras associações beneficiárias, como a Associação de Beneficiários do Vale do Sorraia, de atuação local e regional, como a Comissão de Utentes do Concelho de Benavente (CUCB), e ainda as de defesa do Ambiente, como as dezenas de associações que integram o Movimento proTEJO.
Surpreende-nos de facto que uma pequena barragem como esta não tenha sido alvo de um processo de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), conforme previsto no Decreto-Lei n.º 152-B/2017 de 11 de dezembro. Estes instrumentos, para além de permitirem uma consulta pública de modo a assegurar a compatibilização de usos, permitem identificar medidas de mitigação eficazes, o que claramente não foi feito, como demonstram a estanquidade do edificado e a mortandade de peixes observada. Salvaguarda-se que, mesmo sendo uma obra passível de não ser sujeita a AIA, este mecanismo tem vantagens que permitem melhorar a conceção do projeto e até encontrar alternativas ao seu desenho, sendo por isso recomendável a sua utilização.
Já o regime de Responsabilidade Ambiental é de aplicação direta aos danos ambientais e às ameaças iminentes de danos (respetivamente na aceção das alíneas e) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do diploma), causados em resultado do exercício de uma qualquer atividade desenvolvida no âmbito de uma atividade económica, independentemente do seu carácter público ou privado, lucrativo ou não. Este regime visa precisamente assegurar a reparação dos danos ambientais causados, tendo como base os princípios da responsabilidade e da prevenção, e operacionalizando o princípio do poluidor-pagador, consagrados respetivamente nas alíneas f), c) e d) do artigo 3.º da Lei n.º 19/2014, de 14 de abril, que define as bases da política de ambiente.
Também neste âmbito, tratando-se de uma barragem que tem entre 2 e 10 metros de altura, é aplicável o regulamento de pequenas barragens aprovado no Regime de Segurança de Barragens, publicado no decreto-lei n.º 21/2018, de 28 de março. Entre outros requisitos, prevê que este tipo de barragem tenha descarregador de cheias permanentemente desobstruídos, o que não se parece verificar no local. Este requisito é aplicável apenas a barreiras com mais de 5 metros de altura, o que não estamos certos tratar-se do caso já que, em total desrespeito pelo pela Convenção de Aarhus sobre Acesso à Informação, Participação do Público no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente, a APA também não tem informação publicada sobre esta matéria.
Note-se ainda que as problemáticas de intrusão da cunha salina são ainda pouco fundamentadas, não sendo possível encontrar informação científica que comprove a efetiva magnitude com que este fenómeno está a ocorrer no Tejo, mas sim modelações futuras para cenários de subida do nível médio das águas do mar e reduções drásticas e continuas do caudal do Tejo. Note-se que as reduções de caudal aqui são de origem nacional, já que a sub-bacia do Sorraia ocorre apenas em Portugal. O objetivo de desconectar o Sorraia do Tejo não se trata de uma resposta às fracas afluências de Espanha nem à intrusão salina, mas sim à falta de recursos hídricos no subsolo e que exigem que outras captações possam ser utilizadas como alternativa. Tal pode ser comprovado pela redução da pluviosidade nesta região do Mediterrâneo, em virtude das consequências das alterações climáticas, mas também aos usos que são dados à água que ocorre na região. Naturalmente prosseguindo os modelos de agricultura intensiva que são praticados, e que dependem de fertilizantes e pesticidas que agravam o teor de sal dos solos, e de uma modelação dos terrenos que em nada promove a infiltração de águas da chuva, podemos concluir estarmos perante um "cocktail" perfeito para que seja a agricultura a acabar com a agricultura. E com o ambiente.
Sabendo que reconhece a importância de os rios chegarem ao mar - necessário também para travar o próprio avanço da cunha salina no futuro - apelamos que o Ministério do Ambiente e Transição Energética possa atuar com urgência no sentido da reposição do estado inicial, como previsto no Regime de Responsabilidade Ambiental, tomando as diligências necessárias para que, também no futuro, os erros possam ser reconhecidos como tal.
Reiteramos o nosso apoio na renegociação dos caudais afluentes de Espanha, mas que serão apenas valiosos se adotadas medidas que promovam o bom estado ecológico das massas de água em território nacional, não devendo a Reserva Natural do Estuário do Tejo ser prejudicada por uma atividade económica que deve reequacionar também o impacte da sua atividade.
Com os melhores cumprimentos,
Ana Brazão e Paulo Constantino
(Os porta-vozes do proTEJO)