Carta aberta à Senhora Ministra do
Ambiente e da Energia
“Acordo ibérico sobre a gestão
transfronteiriça da água entre Portugal e Espanha”
16 de outubro de 2024
Exma. Senhora Ministra
do Ambiente e da Energia
Maria da Graça Carvalho
Na sequência de algumas das organizações
signatárias se terem dirigido a V. Exª, no sentido de solicitar a divulgação
pública dos termos do acordo ibérico para a gestão dos recursos hídricos
transfronteiriços negociado com Espanha, reiteramos a importância de os conhecermos
previamente à sua assinatura. Efetivamente, essa informação é fulcral de modo a
garantir a tomada de uma posição fundamentada pela sociedade civil e a
necessária transparência do processo.
Numa
análise crítica sobre os princípios do acordo ibérico, comunicados no passado
dia 27 de setembro em Aranjuez, Espanha, e que serão firmados entre Portugal e
Espanha na próxima Cimeira Ibérica de dia 23 de outubro, os seis movimentos cívicos em defesa dos rios
e da água, de norte a sul do país, nacionais e locais, com
representatividade nas principais bacias hidrográficas do país (AMORA, Mondego
Vivo, #MovRioDouro, MUNDA, PAS e proTEJO) vêm expressar as seguintes posições e
preocupações:
1. Defendemos a
implementação, em todas as bacias de
rios ibéricos, de um verdadeiro
regime de caudais ecológicos determinados por métodos científicos de acordo
com o conceito atualmente em vigor e estabelecido no Plano Nacional da Água
2002,
que contribua para a conservação dos ecossistemas ribeirinhos e não os, já
anunciados, caudais mínimos diários que foi afirmado que iriam ser acrescidos
aos caudais mínimos (não são ecológicos) semanais, trimestrais e anuais fixados, política e
administrativamente, na Convenção de Albufeira;
Apesar de saudarmos o princípio de
estabelecimento de caudais que permitam a conservação dos ecossistemas e da
clarificação de que não podem existir momentos de caudais nulos no rio Tejo,
medida que deve ser extrapolável todos os rios ibéricos (Douro, Guadiana, Tejo,
Minho e Lima) consideramos ser imprescindível a assunção definitiva do conceito
de caudais ecológicos, em vez de caudais diários.
Tejo - A autorização do Estado
português à construção de dois projetos hidroelétricos de bombagem reversível
nas barragens de Alcântara e Valdecañas pela empresa Iberdrola deve depender da
aceitação pelo Estado espanhol da implementação de um regime de caudais ecológicos
no rio Tejo.
Guadiana - A inaceitável, acrescida e contínua retirada de caudal mínimo, essencial para a conservação e manutenção dos ecossistemas, devendo ser desativada a captação de Boca-Chança, que funciona ilegalmente há 20 anos, e não devendo ser permitida uma nova tomada de água no Pomarão. Com efeito, o Governo Português não deve “perdoar” a Espanha a retirada anual de 75 a 150 hm3 do caudal mínimo do rio Guadiana em troca de, adicionalmente, agravar o problema ao retirar no lado português até 30 hm3 por ano no Pomarão.
2. Propomos a cessação das
bombagens ilegais efetuadas na barragem de Alqueva por agricultores com
explorações em Espanha, sendo que Espanha deve indemnizar Portugal pelo uso
indevido da água e sancionar os agricultores prevaricadores uma vez que a
barragem de Alqueva é um empreendimento português para o qual não foi previsto
o uso partilhado da água com Espanha.
Efetivamente, o
eventual “perdão” de Portugal do pagamento de 40 M€ pelo uso indevido da água,
e a hipótese do pagamento da água bombada do Alqueva pelos agricultores
espanhóis prevaricadores constitui um benefício aos infratores que pode induzir
novas infrações, agora justificadas pela possibilidade de a água consumida
poder ser paga. Complementarmente, a operacionalização da eventual
disponibilização de água pela Empresa de Desenvolvimento das Infraestruturas de
Alqueva afigura-se problemática no que respeita a diversos aspetos,
nomeadamente quotas de utilização, monitorização do consumo, garantia de
pagamentos e impedimento de novas prevaricações.
3. Importa assegurar o bom
estado ecológico das massas de água transfronteiriças, nomeadamente, através
da implementação de medidas que assegurem o bom estado ecológico das entradas
de água para território nacional com origem em Espanha, sendo de implementar uma rede
ibérica de monitorização que seja acessível online e em tempo real por parte
dos cidadãos.
Douro - as albufeiras do troço
internacional do rio Douro, a começar na albufeira de Miranda do Douro,
encontram-se fortemente eutrofizadas, em consequência da má qualidade da água
que é libertada para território nacional com origem em Espanha. Efetivamente,
na bacia do Douro, o estado ecológico das massas de água superficiais não tem
melhorado e está longe de atingir o Bom Estado em 2027 como impõe a
Diretiva-Quadro da Água (pelo contrário, existe uma degradação adicional do
estado ecológico dos rios e das albufeiras).
Tejo - as águas que afluem
de Espanha para Portugal registam um elevado grau de contaminação com origem
nos fertilizantes utilizados na agricultura intensiva, na eutrofização gerada
pela sua estagnação nas barragens da Estremadura e na descarga de águas residuais
urbanas das vilas e cidades espanholas sem o adequado tratamento, gravada por
uma inadequada gestão da água.
Em boa verdade, a massa
de água transfronteiriça de albufeira de Monte Fidalgo, na barragem de Cedillo,
registou um agravamento adicional do seu estado ecológico com impacto no
agravamento do estado ecológico da massa de água da albufeira do Fratel, a jusante
no rio Tejo em Portugal, em incumprimento da Convenção de Albufeira e da
Diretiva-Quadro da Água quanto à obrigatoriedade de garantir o bom estado
ecológico das massas de água fronteiriças e transfronteiriças.
4. É imprescindível o fortalecimento da cooperação
transfronteiriça com uma revisão dos compromissos da Convenção de Albufeira uma vez que, embora
existam mecanismos bilaterais para a gestão conjunta dos recursos hídricos,
como a Comissão para a Aplicação e Desenvolvimento da Convenção de Albufeira
(CADC), a cooperação é escassa e ineficaz e a falta de transparência e de
informação compartilhada entre os dois países gera desconfiança.
Preconizamos deste modo
que se caminhe para Planos conjuntos de gestão em cada bacia internacional, tal
como é expresso na Diretiva-Quadro da Água, e que seja reativada a CADC como
veículo privilegiado de coordenação do planeamento e gestão entre as (5) bacias
internacionais a nível dos dois Estados que implicaria a implementação de
soluções conjuntas fundamentais:
a) a garantia de transparência e adaptabilidade às
mudanças climáticas;
b) a adoção de caudais ecológicos nas bacias
internacionais;
c) a monitorização conjunta das massas de água com
procedimentos comparáveis;
d) a avaliação dos programas de medidas
implementados por cada país em cada bacia;
e) a articulação dos planos de eficiência hídrica
/ planos de seca;
f) a
troca atempada de informação entre ambos os países;
g) a descentralização da
gestão dos recursos hídricos das Administrações de Região Hidrográfica, com
autonomia financeira, articuladas com as respectivas Confederações
Hidrográficas.
Em síntese, o acordo ibérico para a
gestão dos recursos hídricos transfronteiriços a celebrar por Portugal e
Espanha deverá promover uma gestão equitativa de água disponível nos nossos
rios partilhados, a sustentabilidade ambiental e a manutenção de todos os
ecossistemas dependentes desses cursos de água. A observância destes princípios
é fundamental para o nosso futuro coletivo, pelo que abrir mão deles é negar o
futuro às novas gerações.
Atenciosamente,
Pelos
movimentos cívicos.
Alice Pisco
PAS - Plataforma Água Sustentável
António
Minhoto
MUNDA –
Movimento em defesa do rio Mondego
Francisco
Oliveira
Mondego Vivo
Guilherme
Serôdio
AMORA - Associação de Monitorização e Regeneração
do Rio Almansor
Gustavo Briz
Paulo
Constantino
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