3 de outubro de 2022
A Convenção de
Albufeira mantém em vigor, há 24 anos, um regime transitório de caudais mínimos
fixados política e administrativamente, mantendo suspensos os caudais
ecológicos previstos no seu artigo 16º[1].
A atual seca, que se
prolonga há mais de um ano e meio, demonstrou que estes caudais mínimos em
vigor não permitem uma boa gestão da água causando perdas ecológicas,
económicas e sociais no curso dos rios ibéricos em território português, por
não terem sido cumpridos por Espanha no ano hidrológico de 2021/2022, que
terminou no passado dia 31 de setembro.
Os atuais protestos de
cidadãos em Portugal e Espanha vêm colocar em causa uma Convenção de Albufeira
negociada para evitar disputas de água e que apenas é aplicada com vista à
partilha de água para gestão hidroelétrica. Contudo, Portugal e Espanha não se podem
eximir a cumprir a legislação europeia enquanto quiserem ser membros de pleno
direito da União Europeia.
O proTEJO defende uma
boa gestão da água com a implementação de caudais ecológicos nos planos de
gestão hidrológicos de Portugal e Espanha de acordo com o definido na Diretiva
Quadro da Água da União Europeia e na orientação nº 31 da Comissão Europeia, devendo estes ser
transpostos para a Convenção de Albufeira.
Estes caudais
ecológicos a implementar devem ser contínuos, instantâneos e regulares, maiores
no inverno e menores no verão, contemplando a sazonalidade das estações do ano,
com mínimos que assegurem a conservação dos ecossistemas e os usos das
populações (domésticos, agrícolas, turísticos, lazer, etc) e máximos que evitem
o esvaziamento súbito das barragens para a produção de energia hidroelétrica e
que assegurem níveis de armazenamento que permitam compensar futuros anos de
estiagem (seca).
Deverão ser
estabelecidos caudais ecológicos para cada tipo de ano hidrológico (seco, médio
e húmido), adequados aos seus níveis de precipitação, permitindo assim uma
melhor representação do regime natural do rio, que aconteceria se não
existissem barragens que o condicionassem, e assegurando caudais de chegada à
foz e ao oceano que permitam que seja cumprido o ciclo ecológico da água tão
necessário ao bom funcionamento dos ecossistemas fluviais e marinhos.
O atual sentimento das populações ribeirinhas do Tejo é de descontentamento, o mesmo descontentamento que se verifica em todos os anos hidrológicos, secos, médios ou húmidos, nos quais, quer seja inverno, quer seja verão, as barragens da estremadura espanhola fecham as turbinas enviando um caudal muito reduzido para horas depois ou no dia seguinte descarregarem grandes volumes de água para produzir energia hidroelétrica quando o preço da energia no mercado ibérico é muito elevado, maximizando o lucro com perdas para os ecossistemas do rio Tejo em Portugal e prejuízos para os usos da água na agricultura, no turismo e no lazer das populações[2], negando o direito constitucional de todos os cidadãos a um ambiente ecologicamente saudável.
Com efeito, a grande volatilidade dos
caudais de hora para hora e dia para dia permitida pelos caudais mínimos da
Convenção de Albufeira, trimestrais que representam 37% do anual e semanais que
são 12% do anual, apenas servem os interesses das hidroelétricas, pois permitem
que os 67% restantes sejam geridos ao sabor do preço mais vantajoso dos
mercados energéticos.
O Ministério do
Ambiente e da Ação Climática garante que as relações diplomáticas entre
Portugal e Espanha são boas e, por isso, não existe justificação para que não
se consiga alcançar uma boa gestão da água com a implementação de caudais
ecológicos nos planos de gestão hidrológicos de Portugal e Espanha de acordo
com o definido na Diretiva Quadro da Água da União Europeia, legislação europeia
que vincula Portugal e Espanha enquanto Estados Membros da União Europeia,
devendo estes caudais ecológicos ser transpostos para a Convenção de Albufeira.
O único obstáculo a esta solução é o
facto de ambos os governos de Portugal e Espanha estarem sujeitos às pressões
dos interesses económicos dos produtores hidroelétricos que pretendem maximizar
o seu lucro gerindo os caudais dos rios a seu bel prazer enquanto causam perdas
ecológicas nos rios ibéricos e prejuízos às restantes atividades económicas que
dependem do uso da água.
Mas este problema não se resolve
enquanto a Convenção de Albufeira não for aplicada para assegurar uma boa
gestão da água e um bom estado ecológico das águas dos rios ibéricos, nem
enquanto mantiver o foco exclusivamente no objetivo de partilha da água entre produtores
hidroelétricos, visto que os caudais mínimos nela estipulados revelam que houve
uma entrega do rio Tejo às hidroelétricas espanholas e do rio Douro às
hidroelétricas portuguesas.
Finalmente, relembramos que Portugal não
recebe transferências de água de Espanha, mas que os rios ibéricos têm caudais
que fluem do território espanhol para território português nas zonas
fronteiriças.
O Tejo e a Vida merecem caudais
ecológicos!
Bacia do Tejo, 3 de outubro de 2022
Os
Porta-Vozes do proTEJO,
Ana
Silva e Paulo Constantino
[1] “O
artigo 16.º, n.º 1, da Convenção de Albufeira passa a ter a seguinte redacção:
"1 - As Partes no seio da Comissão definirão para cada bacia hidrográfica,
de acordo com métodos adequados à especificidade de cada bacia, o regime de
caudais necessários para garantir o bom estado das águas e os usos actuais e
futuros."”
https://snirh.apambiente.pt/index.php?idMain=6&idItem=1&idISubtem=revis622008
[2] Em junho de 2021 foi prejudicada a captação de água em Abrantes com caudais inferiores a 5 m3/s quando no mês anterior se tinha registado um caudal máximo de 467 m3/s, bem como em julho de 2022 se registou um caudal mínimo de 2,48 m3/s causando problemas de salinidade da água aos regantes da Lezíria de Vila Franca de Xira.
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