Entrevista de Paulo Constantino, porta-voz do proTEJO - Movimento Pelo Tejo, ao semanário abrantino "Primeira Linha"
1 - Como surge o movimento proTEJO?
A origem do movimento proTEJO encontra-se na falta de água do Tejo e na degradação dos seus ecossistemas.
Vivendo em Vila Nova da Barquinha não pude deixar de assistir à redução dos caudais do rio Tejo que vem ocorrendo desde 2004 /2005 e que actualmente regista os mais baixos níveis de sempre.
Neste contexto, realizou-se em Vila Nova da Barquinha o encontro “Salvar a Água” promovido pelo Instituto para a Democracia Portuguesa e pela COAGRET, tendo estado presentes as ONG do Ambiente portuguesas e uma representante do movimento espanhol em defesa do Tejo de Talavera de la Reina (Espanha).
Tomei conhecimento do encontro e da manifestação que o movimento espanhol tinha programado realizar a 20 de Junho em Talavera de la Reina e considerei que os cidadãos portugueses do Tejo deviam estar presentes nessa manifestação, pelo que apresentei uma moção na Assembleia Municipal de Vila Nova da Barquinha para esse efeito que foi aprovada por unanimidade.
Em consequência, cerca de 40 portugueses de Vila Nova da Barquinha, do Entroncamento e da COAGRET, manifestaram-se contra a política espanhola de transvases do Tejo conjuntamente com 40.000 espanhóis.
A representação portuguesa foi aplaudida a cada passo que dava com a sua faixa azul, que dizia “Pelos nossos rios, pelo nosso futuro – Vila Nova da Barquinha – Portugal”, como relembrou no dia 17 de Outubro o representante do movimento espanhol de Talavera.
A partir desse dia multipliquei os contactos e começou a construir-se o movimento proTEJO que pretende mobilizar os cidadãos portugueses da bacia hidrográfica do Tejo na defesa do rio e seus ecossistemas, tendo em vista alertar os portugueses e a comunidade europeia e internacional para os seus problemas e respectivas soluções.
2 - Quais os principais problemas que o movimento proTEJO hoje identifica no Tejo?
Os principais problemas do Tejo são falta de água em quantidade e qualidade, que permitam garantir a preservação dos seus ecossistemas ribeirinhos, a sobrevivência das actividades económicas ligadas ao rio (agricultura, pesca, extracção de areia, aventura e lazer, etc) e a vivência das populações ribeirinhas em comunhão com os seus rios, recuperando os laços culturais que as ligavam ao rio.
3 - Quem faz parte deste movimento?
O movimento proTEJO conta com a adesão de meio milhar de cidadãos e de 21 organizações congregando já 7 autarquias, entre as quais a Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo, os Municípios de Vila Nova da Barquinha, Chamusca, Golegã e Abrantes, e as Freguesias de Praia do Ribatejo, Tancos e Vila Nova da Barquinha.
Também aderiram a este movimento cívico o Instituto para a Democracia Portuguesa (IDP), quatro associações ambientalistas nacionais - QUERCUS, GEOTA, Liga para a Protecção da Natureza (LPN), COAGRET – Portugal e uma regional como a EcoCartaxo, a associação para o desenvolvimento AIDIA - Associação Independente para o Desenvolvimento Integrado de Alpiarça, quatro associações de desportos náuticos - Associação Náutica da Marina do Parque das Nações, Clube do Mar Costa do Sol, Clube Náutico Barquinhense, Clube Náutico de Vila Velha de Rodão - e associações de cariz social - Associação dos Amigos das Caneiras, Associação Voluntariado e Acção Social do Entroncamento e a Real Associação do Ribatejo.
Além destas, ainda na 5ª feira estive em reunião com a Associação dos Areeiros do Tejo, que pretendem integrar uma solução para a melhoria das condições do rio Tejo face aos problemas de assoreamento com que se depara, e espero nos próximos tempos encontrar-me com associações de agricultores com vista a esclarecê-los destes problemas visto que serão os principais prejudicados pelos reduzidos caudais e pela cada vez menor qualidade de água que o rio transporta. Será necessário que compreendam que a água de má qualidade não permitirá obter produtos agrícolas de boa qualidade.
No contexto ibérico, estamos integrados na Rede de Cidadania por Uma Nova Cultura da Água do Tejo e seus afluentes (ibérica), em conjunto com várias organizações portuguesas e movimentos espanhóis, como aqueles que estiveram em Caneiras Santarém, no dia 17 de Outubro, e que mobilizaram 40.000 pessoas em Junho, entre outros, Coordinadora en defensa del Tajo Medio y Gredos, Ecologistas en Acción de Toledo, Federación de Asociaciones de Vecinos "El Ciudadano"-Toledo, Fundação Nova Cultura da Água, Greenpeace – Toledo, Plataforma en Defensa de los Ríos Tajo y Alberche de Talavera de la Reina e Plataforma de Toledo en defensa del Tajo.
4 - Qual a posição do proTEJO sobre as políticas de transvases existentes e de outros, porventura projectados?
A consolidar-se a política de transvases do governo espanhol, o Tejo irá ficar com quatro transvases:
O Tejo tem dois transvases vigentes, o Tejo - Segura que parte das Barragens Entrepenas e Buendia (leva 80% das precipitações da cabeira do Tejo), e o Tejo - Las Tablas de Daimiel que alimenta este parque natural (que registou perdas de água de 95% em Agosto e para onde querem fazer em Janeiro - para ter menos perdas- um transvase para suster um incendio de trufa por incúria no tratamento do parque).
Encontra-se em construção um terceiro transvase, conhecido como Tejo-Guadiana ou tubagem manchega, que recolherá parte do caudal no início do Transvase Tejo –Segura com a finalidade de fornecer a província de Ciudad Real da região de Castilla-La Mancha, na Bacia Hidrográfica do Guadiana (para fora da bacia hidrográfica do Tejo, por isso um transvase).
O 4º transvase Tejo - Guadiana e Segura para o qual foi publicado o contrato do estudo de viabilidade pela Junta da Extremadura, no Jornal das Comunidades Europeias, sendo a denominação no contrato a seguinte "Serviço de consultoria e assistência técnica para o estudo de viabilidade de um possível transvase desde a barragem de Valdecañas até ao Levante Espanhol e de alternativas prioritárias de um transvase interno Tejo-Guadiana na Extremadura".
Este é o primeiro passo da Extremadura para construir um transvase do Tejo ao Segura que complementará o actual desde a cabeceira do Tejo e outro entre as duas principais bacias para os seus regadios. O estudo tem de estar pronto em 2010.
O proTEJO recusa a política de transvases espanhola, os novos e os actuais transvases, considerando que devem ser implementadas alternativas aos transvases baseadas no uso eficiente da água, entre as quais poderá estar a dessalinização.
A implementação dos 2 novos transvases, um em construção e outro em estudo de viabilidade, terá como consequência uma redução significativa do caudal do Tejo em Portugal, o que seria desastroso se considerarmos o quase inexistente caudal que hoje apresenta.
Neste domínio convém ainda esclarecer que o novo transvase, a partir da barragem de Valdecañas que recebe as águas do rio Tiétar, afluente do Tejo, vai levar para Murcia e Valência as únicas águas limpas que até agora entravam no Tejo.
As únicas águas que chegarão a Portugal vindas de Espanha serão as águas residuais, ou seja, o esgoto, como disse a Greenpeace, de 7 milhões de madrilenos que entram no Tejo através do rio Alberche. Será esta água de má qualidade que chegará ao Tejo em Portugal e que será utilizada na nossa agricultura, a água que os espanhóis de Murcia e de Valência não querem por ser de má qualidade.
5 - Existe, ou seria desejável, encontrar políticas alternativas aos transvases?
A alternativa aos transvases é a utilização eficiente da água, existindo também a possibilidade da dessalinização da água do mar entre outras.
Mais que desejável, é obrigatório que sejam encontradas alternativas aos transvases para que Portugal e Espanha possam cumprir a Directiva Quadro da Água no que se refere à bacia hidrográfica do Tejo.
A Directiva Quadro da Água (DQA) determina que em 2015 as águas superficiais e subterrâneas devem estar em bom estado de conservação, e que em 2009 deverá ser adoptado o plano da bacia hidrográfica, incluindo medidas para atingir esses objectivos ambientais e uma adequada participação pública.
Enquanto se introduzem e aplicam estas medidas, a DQA diz que não deve haver uma maior deterioração dos rios e que devem recuperar-se os custos dos serviços de água.
Com os novos transvases iremos ter menos água e de menor qualidade, como a água verde que já hoje corre no rio Tejo em Abrantes, pelo que, por certo, a directiva não irá ser cumprida por Espanha.
6 - Quem poderá, deverá, desenvolver uma linha estratégica que assegure o cumprimento do regime de caudais ecológicos e que permitam o funcionamento dos ecossistemas? A sustentabilidade da gestão da bacia hidrográfica do Tejo e o cumprimento em 2015 das determinações da União Europeia constantes da Directiva Quadro da Água, nomeadamente, assegurar o bom estado das águas e a unidade da gestão da bacia hidrográfica do Tejo, implica que cada um assuma a sua quota-parte de responsabilidade na prossecução desses objectivos:
1º O Governo Espanhol deve investigar e implementar alternativas aos transvases, baseadas no uso eficiente da água, pela dessalinização, entre outras;
2º O Governo Português deve exigir que Espanha tome medidas para eliminar os transvases e tomar medidas para melhorar a qualidade das águas que devolve ao rio;
3º A Comissão Europeia deve fiscalizar e acompanhar as políticas hidrológicas para garantir que estas caminham no sentido de alcançar, em 2015, o cumprimento da Directiva Quadro da Água, o que não é o caso de Espanha, que pelo contrário irá piorar o estado das águas com os transvases que mantém vigentes, que está a construir e que planeia fazer desde o Médio Tejo.
Face aos transvases do Tejo, vigentes e em construção ou em estudo de viabilidade, o Estado Português deveria informar a Comissão desse facto recomendando a investigação e implementação de alternativas a estes transvases no sentido da sustentabilidade e unidade de gestão da bacia hidrográfica do Tejo, à qual a Comissão terá que responder no prazo de 6 meses, nos termos do artigo 12º da Directiva Quadro da Água.
Complementarmente, na resolução dos problemas do Tejo em Portugal, o assoreamento, a poluição, a pesca ilegal, etc... deverá ser a Administração da Região Hidrográfica do Tejo a intervir, a congregar e a ouvir os parceiros para resolver os problemas do rio, os agricultores, os areeiros, os ambientalistas, os pescadores, os autarcas, entre outros.
Outra parte fundamental é o regime de caudais ambientais aplicáveis aos rios, estando previsto nas normas dos tranvases e na jurisprudência do Supremo Tribunal de Espanha que só se pode transvasar a água da bacia hidrográfica do Tejo, quando se tenha satisfeito 100% de todos os usos preferenciais da Bacia Hidrográfica do Tejo (abastecimento de água, irrigação, industriais, de lazer, etc), incluindo a restrição prévia ambiental (caudais ecológicos, bom estado, etc) e o cumprimento do Convénio de Albufeira.
Neste ponto importa esclarecer que foi revisto recentemente, entrando em vigor em 2009, o regime de caudais do Convénio de Albufeira, estabelecendo caudais trimestrais e mensais, mas que foram introduzidos directamente no convénio de Albufeira e no novo plano da bacia hidrográfica do Tejo sem cumprir os critérios da DQA nem a participação pública dos cidadãos de ambos os países.
Este regime de caudais deve ser integrado no estudo e na participação pública do plano da bacia hidrográfica do Tejo sob pena de uma violação directa da Directiva Quadro da Água em ambos os países, devendo daí resultar a sua validação ou a proposta de uma nova alteração do Convénio de Albufeira.
Além destes aspectos, existe ainda o problema da inexistência de um sistema de monitorização de caudais permanente e online, constatando-se inactividade do SNIRH quanto à quantidade de água, em especial, na Ponte de Muge, um dos locais de controlo do cumprimento do regime de caudais estipulado no Convénio, e da ausência de referência à regulação quantitativa do caudal de chegada ao mar, com impacto na erosão costeira na Costa da Caparica.
O Convénio da Albufeira estabelece uma reserva de 1000 Hm3 para transvases do Tejo, baseado na lei franquista dos transvases de 1971 e em cálculos de 1968 que estão gravemente incorrectos por se tratar de séries hidrológicas de anos muito húmidos, desde os anos 40, que não se voltaram a repetir.
Destes 1.000 hm3, 600 hm3 foram imediatamente regulamentados e 400 hm3 seriam acrescidos numa segunda fase, quando se fizessem mais barragens para armazenar água na bacia do Tejo, que nunca foram feitas.
Este volume de reserva é tão irrealista que, em quase 30 anos de funcionamento do transvase, desde 1980, não puderam tansvasar, em média, mais de 200-300 hm3 por ano, mas não por solidariedade do governo espanhol ou do Levante para com a bacia hidrográfica do Tejo, mas porque não existia esta disponibilidade de água.
Assim, o governo e os cidadãos portugueses devem exigir a imediata supressão desses 1.000 hm3 do Convénio de Albufeira, visto que não existem estes excedentes na bacia hidrográfica do Tejo, sendo os transvases dessa dimensão contrários à lei espanhola.
7 - Como vê a criação de um Museu do Tejo, de um Observatório do rio Tejo e a recuperação de portos, cais e barcas junto das populações ribeirinhas?
O Tejo enquanto factor estratégico e factor de identidade cultural é utilizado como eixo de todos investimentos realizados em municípios ribeirinhos, devendo portanto ser objecto de uma estratégia transversal e Ibérica de preservação do seu património ambiental e cultural.
O objectivo do Observatório Ibérico do Tejo seria esse mesmo, contribuir para a defesa e valorização do Tejo e dos seus afluentes, para promover projectos de investigação, acção e formação, de uma forma integrada por parte das universidades e os Institutos de Ensino Superior das regiões do Tejo nacional e internacional, e promover o estudo, a divulgação e a animação do património histórico e cultural do Tejo e das populações ribeirinhas.
Devemos salientar o facto de ambas as capitais Lisboa e Madrid estarem localizadas na bacia do Tejo e a importância do seu potencial contributo para o conhecimento e preservação cultural e ambiental do rio.
O Museu do Tejo irá ser construído no Cartaxo e já existe uma Casa de Artes e Cultura do Tejo em Vila Velha de Rodão, podendo estes espaços e equipamentos de cultura ao longo do Tejo ter um planeamento e coordenação na sua utilização, receberem o apoio dos estudos e da investigação realizada pelas universidades e institutos, e os municípios ribeirinhos potenciarem com os seus recursos a recuperação de património importante para o rio, como os portos, os caís, as barcas, independentemente da sua localização, podendo receber como benefícios as exposições e mostras culturais vivas daquilo que é a comunhão do Homem com o rio.
8 - Iniciativas futuras do movimento proTEJO?
Até final do ano de 2009 está previsto ainda em Novembro a realização de umas “ Jornadas sobre a Sedimentação do rio Tejo” com o objectivo de debater e elencar as causas do problema da sedimentação e assoreamento do rio Tejo, identificando as causas e indicando as respectivas soluções, no qual além dos especialistas académicos neste domínio temos já garantida a presença da Associação dos Areeiros do Tejo, que estão disponíveis para participar na preservação do rio Tejo em conjugação com a viabilização da actividade de extracção de areias.
Realizaremos ainda um importante intercâmbio entre movimentos espanhóis e portugueses em defesa do Tejo e seus afluentes, no qual será definida uma estratégia comum para os movimentos espanhóis e portugueses e, eventualmente, a elaboração de uma carta reivindicativa ibérica.
Em 2010 faremos uma nova mobilização ibérica de cidadãos em defesa do Tejo, com uma Marcha Azul da Água para levar a água do Tejo da nascente até à foz, com percursos a pé, de cavalo, de autocarro, de comboio, finalizando com a entrega da carta reivindicativa ibérica ao governo português e ao representante do governo espanhol em Lisboa.
No plano político interno e no seguimento desta estratégia, importa ainda este ano solicitar audiências aos grupos parlamentares e à comissão parlamentar do ambiente, de forma a sensibilizá-los para a questão dos transvases, e posteriormente a solicitação de uma audiência à Sr.ª Ministra do Ambiente no sentido de obtermos informação adicional e de conhecermos a sua opinião sobre o papel e a estratégia do governo português para a defesa do rio Tejo.
Difusão radiofónica da entrevista:
Terça-feira - às 12h15 e às 19H10.
Sábado - entre as 13h15 e as 14 horas.