Nuno Matos - O Riachense 10 Fev. 2010
Movimento proTEJO apresenta queixa ibérica na UE
De ano para ano, o caudal do rio Tejo diminui e a água vai correndo cada vez mais poluída. Os efeitos são nefastos na fauna, flora, pesca e na economia local das zonas ribeirinhas.Espanha está a construir um terceiro transvase de alimentação do rio Guadiana e projecta um quarto traçado.
Com o objectivo de fomentar uma nova cultura de defesa da água no rio Tejo surgiu o Movimento proTEJO, cujo epicentro foi em Vila Nova da Barquinha. O seu porta-voz é Paulo Constantino, um barquinhense desiludido com todo este cenário.
O nível do caudal do rio Tejo tem baixado ano após ano. O parque ribeirinho da Barquinha foi inaugurado em 2005 e logo nessa altura as bombas que abastecem o canal começaram a ficar fora de água por causa da descida da corrente. Foi o sinal que despertou em Paulo Constantino a necessidade de fazer qualquer coisa para salvar o Tejo: “Fui alertando a comunidade intermunicipal e colocando o problema da falta de água em cima da mesa”. Entretanto, decorreu na Barquinha, em Maio de 2009, uma reunião sobre o tema “Salvar a Terra e a Água”, promovida pelo Instituto da Democracia Portuguesa e pelo Coagret - Coordenadora de Afectados pelas Grandes Barragens e Transvases – Secção Portuguesa, que contou com a presença de representantes de vários movimentos, incluindo espanhóis, onde anunciaram que iriam fazer uma manifestação em Junho, em defesa do Rio Tejo, em Talavera de la Reina, Espanha.
Posteriormente, o PS apresentou uma moção na assembleia municipal da Barquinha para participar nessa manifestação, que foi aprovada por unanimidade, “uma vez que era um problema que também nos tocava e era importante uma presença portuguesa”, salienta.
A câmara local disponibilizou um autocarro que transportou 40 pessoas da Barquinha e do Entroncamento. A manifestação contou com a presença de 40 mil pessoas, incluindo elementos do COAGRET, do Instituto Politécnico de Santarém, da Associação para o Desenvolvimento Integrado de Alpiarça, entre outros. A presença de portugueses em Talavera de la Reina foi importante porque os espanhóis ficaram sensibilizados com a participação lusa, uma vez que a bacia do Tejo se estende por Portugal e Espanha e o problema da falta de água atinge os dois países.
“Foi a partir daí que percebemos que era preciso fazer alguma coisa do lado de cá e resolvemos avançar com o proTEJO”, sublinha o porta-voz do movimento.
No dia 30 de Junho, Paulo Constantino participou na apresentação do relatório preliminar sobre a gestão da água na bacia hidrográfica do Tejo, onde se encontrou com responsáveis da Quercus e da Liga da Protecção da Natureza para abordar a possibilidade de constituir um movimento, ficando marcada uma reunião para 18 de Julho.
Assim, foram contactadas organizações e todos os municípios da bacia do Tejo. “Nessa reunião definiram-se os nove pontos reivindicativos do movimento, e que estão subjacentes ao acto de adesão. Até 5 de Setembro procedeu-se à recolha desses actos de adesão e nesse dia foi finalmente constituído o Movimento proTEJO, que integra 26 organizações”, explica.
Uma gestão sustentável da bacia hidrográfica do Tejo, o cumprimento da Directiva Quadro da Água, o estabelecimento de caudais mínimos, a recusa dos transvases e o desassoreamento do rio Tejo são algumas das exigências do proTEJO.
A seca do rio e o desenvolvimento artificial
A questão dos transvases espanhóis poderá, na opinião do movimento, levar à morte do rio. O Tejo tem dois transvases vigentes, ambos na província de Castela la Macha, o Tejo-Segura, que parte das Barragens Entrepeñas e Buendia (80% das precipitações da cabeceira do Tejo), e o Tejo-Parque Las Tablas de Daimiel. Encontra-se em construção um terceiro canal, para alimentar o Guadiana, e outro afigura-se para o Guadiana e Segura, para o qual já foi solicitado um estudo de viabilidade pela Junta da Estremadura.
Segundo o proTEJO, a implementação dos dois novos transvases, terá como consequência uma redução significativa do caudal do Tejo português, “o que seria desastroso se considerarmos o quase inexistente caudal que hoje apresenta. Neste domínio convém realçar que o novo transvase, a partir da barragem de Valdecañas que recebe as águas do rio Tiétar, afluente do Tejo, vai levar para Murcia e Valência as únicas águas limpas que até agora entravam no Tejo”.
As águas que chegarão a Portugal vindas de Espanha serão as águas residuais de sete milhões de madrilenos sem a adequada depuração, que entram no Tejo através do rio Jarama. Sem as águas do alto Tejo e do rio Alberche, o Tejo seria um rio morto e sem caudais líquidos suficientes.
Paulo Constantino considera que esta é uma política insustentável, que vai criar ainda mais discrepâncias e diferenças de desenvolvimento entre regiões distintas, porque se estão a retirar recursos de regiões pobres para regiões mais ricas, estando-se a criar um desenvolvimento artificial onde não existem recursos. “Essa acumulação de riqueza vai criar mais riqueza, criar mais postos de trabalho, atrair mais pessoas e necessitar de mais de água. Será preciso levar água onde ela não existe. Em vez de se desenvolver regiões onde já existe água, ou seja, onde a natureza oferece recursos que permitem a fixação das populações, estamos a transferir esses recursos. É um desenvolvimento insustentável”, postula.
De Espanha, nem bom vento nem… boa água?
Perante o cenário previsto para o rio Tejo, o Estado português não tomou qualquer posição. “Parece-me que os governos português e espanhol querem manter a definição do regime de caudais do convénio de Albufeira. No entanto, segundo os movimentos espanhóis e portugueses o regime de caudais é estrutural na gestão da bacia hidrográfica do Tejo e portanto, um elemento fundamental da gestão da água e da sua qualidade, que tem de ser definido no âmbito dos planos da bacia hidrográfica do Tejo que vão ser elaborados em 2010. É isso que nós queremos que seja feito, que sejam integrados e sujeitos a participação pública e apreciação da comunidade científica, para ficar definido de uma forma clara e transparente, quais são os caudais adequados para manter as condições ambientais ajustadas e permitir a adequada vivência das populações ribeirinhas e usufruto da água do rio”, explica Paulo Constantino, para continuar: “Não podem continuar a ser definidos, unicamente entre os dois governos, sem serem divulgados os critérios que estão subjacentes àquele tipo de caudais. Foi feito um pedido aos dois governos e estamos a aguardar para ver se existe algum estudo em que se baseia a definição do regime de caudais”.
Subentendendo que o Governo espanhol poderá estar a alterar as regras do jogo, Paulo Constantino afirma que Portugal deve solicitar à Comissão Europeia “uma avaliação da política e impactos dos transvases espanhóis, enquadrada na directiva quadro da água. É preciso exigir e garantir que não haja falta de água causada pelos desvios fluviais”.
O proTEJO dá mesmo a entender que Espanha não está a cumprir a lei: “Tanto a legislação comunitária como a espanhola dizem que o regime de caudais deve garantir todos os usos, permitindo transvases apenas quando estiver garantido o cumprimento de todas as necessidades. Só o excedente é que pode ser transvazado para outras bacias hidrográficas. O que não acontece no Tejo”. Paulo Constantino esclarece: “No ano hidrográfico 2008/09, a Espanha assumiu que não cumpriu a convenção de Albufeira, mas não activou a cláusula da seca que, de acordo com a agência de meteorologia, deveria ter activado pois os níveis de precipitação estiveram abaixo dos 50%. Mas não foi activada porque se existisse seca não poderiam fazer transvases em Espanha”.
Existem pois algumas incoerências no cumprimento da legislação espanhola, de forma a não haver problemas com os governos das regiões autonómicas: “Se incumprirem a legislação podem ser postos em causa, mas se incumprirem um tratado com Portugal, dizem que, como disse uma ministra espanhola, já estava a ser estudado com o governo português o momento conveniente para a reposição da água em falta. Ora, não consigo compreender este conceito de reposição de água. Desde que sejam cumpridos os caudais não há falta de água! E como vamos ser recompensados pelos prejuízos ambientais e sociais do Verão passado?”.
Preocupados com esta temática, representantes dos movimentos de cidadãos em defesa do Tejo em Portugal e Espanha reuniram-se a 16 de Janeiro, na Barquinha para assinar a Carta Reivindicativa Ibérica em Defesa do Tejo. Este documento representa um marco por ser a primeira vez que a cidadania de ambos os países é transversal às fronteiras e se une em redor do princípio de unidade da bacia para exigir uma gestão do rio de acordo com os princípios da Nova Cultura da Água.
Protestos, reivindicações e alertas
Um dos principais objectos do proTEJO é alertar a opinião pública para este problema que tem passado ao lado dos portugueses: “Temos de transmitir o que se está a passar e qual a razão por que as populações olham para o rio e não vêem água”.
Ao longo dos anos, as pessoas foram voltando costas ao rio, excepto os pescadores ou aqueles que praticam desportos náuticos. Ainda há muito trabalho a fazer: “Existe um calafate na barquinha e penso que existe outro em Alpiarça. São pessoas que conhecem a arte e que estão a desaparecer. Era importante que fosse dado um apoio para apostar na continuidade de construção dos barcos tradicionais, ou para apoio da cultura avieira do rio Tejo. É fundamental a preservação desta cultura e património”. Existem alguns projectos localizados, mas ao nível de toda a bacia do Tejo, haverá agora condições para o fazer em articulação com a Administração Hidrográfica do Tejo.
A intervenção do ProTEJO é pois muito vasta, conforme se pode constatar no plano de actividades para este ano. Além das acções de protesto, pedidos de esclarecimento e alerta de consciências, as organizações do proTejo baseiam-se por vezes em acções simbólicas em que, através de actividades saudáveis e desportivas ou simplesmente gestos metafóricos, se enaltecem as vivências e os benefícios que corremos risco de deixar de usufruir.
Apesar de ter apenas alguns meses de actividade, vai receber no próximo sábado, em Saragoça, um prémio atribuído pela Fundação Nova Cultura da Água devido ao trabalho que tem realizado em prol da defesa do Tejo.
Em Março ou Abril, será realizado um intercâmbio de Movimentos Ibéricos em Defesa do Tejo, com uma descida do Tejo em canoa, caiaque e barco, desde a Barragem de Cedilho até às Portas de Ródão.
Ainda em Março, dia 22, dito Mundial da Água, o Movimento pretende levar a cabo várias acções de sensibilização com apresentações sobre projectos ambientais desenvolvidos por diversas entidades, como os Ecoclubes Intervir Mais, da Universidade Católica Portuguesa, as Eco-Escolas, da ABAE, o Museu do Mundo, de Luisa Janeirinho ou o Projecto Rios, da ASPEA e o Tejo Vivo, da Associação Amigos do Tejo. “Queremos organizar três actividades semelhantes: na zona de Lisboa, no centro do Ribatejo e outra no alto Ribatejo, para chegar a todos os municípios da bacia do Tejo”, anuncia Paulo Constantino.
Para Maio, estão previstas as Jornadas da Água do Tejo, uma iniciativa técnico-científica inserida num evento cultural sobre o rio Tejo, com escultura, poesia, fotografia, teatro, pintura e música, com um eventual concerto ibérico. Estas jornadas terão como objectivo identificar as causas dos problemas do Tejo português.
As actividades prosseguem em Agosto com a exposição Água, Rios e Aldeias, promovida pela Fundação Nova Cultura da Água, que terá como propósito transmitir em 200 fotografias uma visão ampla e concreta das crises, conflitos e catástrofes da água que ocorrem sob o velho paradigma de dominação da natureza.
Entre Setembro e Novembro, o proTEJO tem planeado realizar a Marcha Azul da Água do Tejo – Estafeta da Água. Consistirá em levar água do rio desde a nascente até à foz com percursos a pé, cavalo, autocarro e comboio, finalizando com a entrega de um manifesto ao governo português e espanhol. Esta iniciativa tem como objectivo contestar o transvase Tejo–Segura, exigindo a concepção e implementação de um projecto de alternativas sustentáveis.
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