Há milhões de anos que o rio Tejo alimenta e estrutura ecologicamente grande parte do território da Península Ibérica. Há milhares de anos que, generosamente, permite um constante e crescente povoamento humano até aos nossos dias…a retribuição impõe-se.
Artigo de Sara Cura
Actualmente estamos perante mudanças climáticas irreversíveis cujas consequências estão cada vez mais fora do nosso controlo (por motivos naturais, mas sobretudo humanos, veja-se o falhanço tremendo de Copenhaga). A escassez de água é uma das muitas consequências e vai seguramente agravar-se no futuro. Perante o inevitável sobressai a necessidade de encontrar uma justa e equilibrada gestão dos recursos hídricos. Esta deve, em primeiro lugar, respeitar a biosfera em torno dos rios e depois as populações que dos seus imensos e variados recursos dependem e/ou usufruem.
Ninguém pense as águas agora repentinamente elevadas que dão por resolvido o problema da progressiva diminuição dos caudais e degradação bacia hidrográfica do Tejo, que se reflecte em descidas abruptas do nível da água (durante o período estival, e não só), na proliferação de espécies invasivas que eliminam a fauna autóctone, no excessivo assoreamento no leito do rio, na inutilização de captações de água…a lista continua, infelizmente.
As chuvas das últimas semanas não resolvem os imensos problemas do Tejo, tal como não são as águas artificialmente inseridas, por meio de um transvase aprovado pela Comissão de Exploração do Transvase Tejo - Segura que vão recuperar o Parque de las Tablas de Daimiel (Ciudad Real). Várias ONG Ambientalistas de Espanha já questionaram tamanha inversão de água a partir do Tejo para um parque que, a ser recuperado, deveria ser com água do Guadiana? Questiona-se, aliás, a viabilidade ecológica da sua recuperação, mas o certo é que do Tejo foi aprovado o desvio de 20 hectómetros cúbicos de água.
O problema da escassez da água em importantes rios Ibéricos é um facto e é fundamental encontrar soluções eficazes e pragmáticas de distribuição e gestão dos recursos hídricos. Todavia estas não são de forma alguma os sistemáticos transvases para as bacias do Segura e do Guadiana. A política de transvases aplicada pelas autoridades espanholas, em larga medida, mais não é do que o desvio de água do Tejo para favorecimento de regiões a sul e manutenção das respectivas actividades económicas (agricultura, lazer e turismo, entre outras), em detrimento daquelas que do Tejo dependem directamente. Isto é feito sacrificando o ecossistema da bacia hidrográfica e as populações ribeirinhas do Tejo, em Espanha, mas sobretudo em Portugal. Isto é visível e foi sendo denunciado por várias vias e vozes a autoridades competentes e ao estado português, no entanto aguarda-se uma tomada de posição e questiona-se a passividade…
Perante a gravosa situação e falta de actuação governamental surgiu em 2009 o proTejo-movimento pelo Tejo, um movimento cívico que junta mais de duas dezenas de instituições e cerca de meio milhar de cidadãos. O proTejo insurge-se claramente contra os transvases, contra o incumprimento da Directiva - Quadro da Água e pretende a aplicação de políticas transparentes (por exemplo, é pouco o conhecimento que temos do estudo que serviu de base à determinação do regime de caudais nos termos do Convénio de Albufeira), com ampla discussão pública, que salvaguardem a bacia hidrográfica do Tejo e que justamente garantam a gestão sustentável dos recursos. A 17 de Janeiro de 2010 o proTejo e o movimento espanhol Red del Tajo, contrariando uma histórica de fraca cooperação entre movimentos cívicos dois países e inaugurando uma discussão e acção estratégica de conjunto, anunciaram a Carta Reivindicativa Ibérica em Defesa do Tejo. Esta carta reivindica que se faça uma avaliação de impacte ambiental à política de transvases espanhola, idêntica àquela feita ao plano de barragens de Portugal e exige um plano de financiamento para a criação de alternativas de gestão da água sustentáveis e que permitam que cada bacia hidrográfica se baste a si própria. Mas esta carta pretende também «Apresentar uma queixa à Comissão Europeia por considerar que não foi avaliado o impacto do Transvase Tejo – Segura sobre o estado ecológico do rio Tejo e que a política de transvases do Tejo em Espanha conduz a uma deterioração do bom estado das águas e coloca em risco o cumprimento da legislação comunitária na bacia hidrográfica do Tejo em Portugal e Espanha».
A experiência nestas matérias diz-nos infelizmente que queixas de teor ambiental versus interesses instalados, ou se suportam solidamente do ponto de vista jurídico e se baseiam no maior número possível de pareceres técnico e científicos, ou correm o risco de serem arquivadas.
Cabe aos movimentos, ao empenho dos seus membros, apelar a quem possa auxiliar na fundamentação jurídica, técnica e científica. Fica aqui o apelo…Em todo caso, isso não pode, nem deve, ser impeditivo da apresentação de queixa.Porque esta parte de um movimento de cidadãos preocupados, atentos e críticos e que de diversas formas demonstraram já a sua indignação (algo que não é muito frequentemente no nosso país, onde há um enorme défice de participação e discussão pública destas e de outras matérias).Porque esta Carta Ibérica resulta dum processo que se vai construindo ao sabor da energia dos seus membros e, com ou sem uma fundamentação fortíssima, a reivindicação por si só já é transformadora da actual situação ao ser claramente contra o sistema vigente.
Porque é urgente que as decisões sejam publicamente discutidas e participadas, pois sabemos que uma transformação da sociedade e respectiva actuação só é verdadeira se for feita de forma ajustada entre todos os interlocutores, suplantando a nefasta e excessiva promiscuidade entre alguns interesses, particularmente os económicos, e os principais núcleos de decisão política na hora de discutir aquilo que é de todos e todas (não humanos incluídos).
Artigo de Sara Cura
Actualmente estamos perante mudanças climáticas irreversíveis cujas consequências estão cada vez mais fora do nosso controlo (por motivos naturais, mas sobretudo humanos, veja-se o falhanço tremendo de Copenhaga). A escassez de água é uma das muitas consequências e vai seguramente agravar-se no futuro. Perante o inevitável sobressai a necessidade de encontrar uma justa e equilibrada gestão dos recursos hídricos. Esta deve, em primeiro lugar, respeitar a biosfera em torno dos rios e depois as populações que dos seus imensos e variados recursos dependem e/ou usufruem.
Ninguém pense as águas agora repentinamente elevadas que dão por resolvido o problema da progressiva diminuição dos caudais e degradação bacia hidrográfica do Tejo, que se reflecte em descidas abruptas do nível da água (durante o período estival, e não só), na proliferação de espécies invasivas que eliminam a fauna autóctone, no excessivo assoreamento no leito do rio, na inutilização de captações de água…a lista continua, infelizmente.
As chuvas das últimas semanas não resolvem os imensos problemas do Tejo, tal como não são as águas artificialmente inseridas, por meio de um transvase aprovado pela Comissão de Exploração do Transvase Tejo - Segura que vão recuperar o Parque de las Tablas de Daimiel (Ciudad Real). Várias ONG Ambientalistas de Espanha já questionaram tamanha inversão de água a partir do Tejo para um parque que, a ser recuperado, deveria ser com água do Guadiana? Questiona-se, aliás, a viabilidade ecológica da sua recuperação, mas o certo é que do Tejo foi aprovado o desvio de 20 hectómetros cúbicos de água.
O problema da escassez da água em importantes rios Ibéricos é um facto e é fundamental encontrar soluções eficazes e pragmáticas de distribuição e gestão dos recursos hídricos. Todavia estas não são de forma alguma os sistemáticos transvases para as bacias do Segura e do Guadiana. A política de transvases aplicada pelas autoridades espanholas, em larga medida, mais não é do que o desvio de água do Tejo para favorecimento de regiões a sul e manutenção das respectivas actividades económicas (agricultura, lazer e turismo, entre outras), em detrimento daquelas que do Tejo dependem directamente. Isto é feito sacrificando o ecossistema da bacia hidrográfica e as populações ribeirinhas do Tejo, em Espanha, mas sobretudo em Portugal. Isto é visível e foi sendo denunciado por várias vias e vozes a autoridades competentes e ao estado português, no entanto aguarda-se uma tomada de posição e questiona-se a passividade…
Perante a gravosa situação e falta de actuação governamental surgiu em 2009 o proTejo-movimento pelo Tejo, um movimento cívico que junta mais de duas dezenas de instituições e cerca de meio milhar de cidadãos. O proTejo insurge-se claramente contra os transvases, contra o incumprimento da Directiva - Quadro da Água e pretende a aplicação de políticas transparentes (por exemplo, é pouco o conhecimento que temos do estudo que serviu de base à determinação do regime de caudais nos termos do Convénio de Albufeira), com ampla discussão pública, que salvaguardem a bacia hidrográfica do Tejo e que justamente garantam a gestão sustentável dos recursos. A 17 de Janeiro de 2010 o proTejo e o movimento espanhol Red del Tajo, contrariando uma histórica de fraca cooperação entre movimentos cívicos dois países e inaugurando uma discussão e acção estratégica de conjunto, anunciaram a Carta Reivindicativa Ibérica em Defesa do Tejo. Esta carta reivindica que se faça uma avaliação de impacte ambiental à política de transvases espanhola, idêntica àquela feita ao plano de barragens de Portugal e exige um plano de financiamento para a criação de alternativas de gestão da água sustentáveis e que permitam que cada bacia hidrográfica se baste a si própria. Mas esta carta pretende também «Apresentar uma queixa à Comissão Europeia por considerar que não foi avaliado o impacto do Transvase Tejo – Segura sobre o estado ecológico do rio Tejo e que a política de transvases do Tejo em Espanha conduz a uma deterioração do bom estado das águas e coloca em risco o cumprimento da legislação comunitária na bacia hidrográfica do Tejo em Portugal e Espanha».
A experiência nestas matérias diz-nos infelizmente que queixas de teor ambiental versus interesses instalados, ou se suportam solidamente do ponto de vista jurídico e se baseiam no maior número possível de pareceres técnico e científicos, ou correm o risco de serem arquivadas.
Cabe aos movimentos, ao empenho dos seus membros, apelar a quem possa auxiliar na fundamentação jurídica, técnica e científica. Fica aqui o apelo…Em todo caso, isso não pode, nem deve, ser impeditivo da apresentação de queixa.Porque esta parte de um movimento de cidadãos preocupados, atentos e críticos e que de diversas formas demonstraram já a sua indignação (algo que não é muito frequentemente no nosso país, onde há um enorme défice de participação e discussão pública destas e de outras matérias).Porque esta Carta Ibérica resulta dum processo que se vai construindo ao sabor da energia dos seus membros e, com ou sem uma fundamentação fortíssima, a reivindicação por si só já é transformadora da actual situação ao ser claramente contra o sistema vigente.
Porque é urgente que as decisões sejam publicamente discutidas e participadas, pois sabemos que uma transformação da sociedade e respectiva actuação só é verdadeira se for feita de forma ajustada entre todos os interlocutores, suplantando a nefasta e excessiva promiscuidade entre alguns interesses, particularmente os económicos, e os principais núcleos de decisão política na hora de discutir aquilo que é de todos e todas (não humanos incluídos).
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